RECUPERAÇÃO DO PANTANAL: Animais já encontram alimentos

Walney Rosa
fevereiro 1, 2021 - 4 anos atrás

Animais já encontram fontes naturais de alimentação após incêndio em reserva no Pantanal

Por G1 MT

Acuri, canjiqueira, jatobá, bocaiúva, jenipapo, figueira e marmelada, fontes naturais de alimentação de animais como araras, queixadas e o maior mamífero terrestre da América do Sul, a anta, já frutificam na maior Reserva Particular do Patrimônio Natural do país, a RPPN Sesc Pantanal, localizada em Mato Grosso. No Dia Nacional das RPPNs (31/1), os primeiros sinais de recuperação na unidade de conservação, que teve 93% da área atingida pelo fogo, deixam pesquisadores otimistas, mas cautelosos diante dos impactos em longo prazo dos incêndios florestais no bioma.

Em 2020, o Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (LASA) registrou 4,350 milhões de hectares incendiados no Pantanal, ou seja, 30% do bioma.

Entre os locais mais severamente atingidos pelo fogo, a grande área com acuris na RPPN surpreendeu e já dá seus primeiros frutos, após quatro meses. A expectativa inicial era que isso acontecesse somente em um ano.

“A área estava cinza e nem sequer sabíamos se os acuris estavam vivos. Ver folhas e vários cachos abrindo foi muito gratificante, pois eles são um importante recurso para a fauna do pantanal. Isso com certeza é um sinal da efetividade do combate ao fogo na Reserva. Se o fogo avançasse sobre tudo, com a intensidade que foi, muitas morreriam ou ficariam tão prejudicadas que não teriam força suficiente para passar pelo processo de frutificação, que requer muita energia”, explica a bióloga e pesquisadora do Grupo de Estudos em Vida Silvestre (GEVS), Gabriela Schuck.

Embora os incêndios tenham alcançado 93% da área de 108 mil hectares da RPPN, o fogo teve intensidades diferentes em toda esta extensão, resultado da atuação da brigada de incêndio do Sesc Pantanal, existente há 20 anos, e dos contrastes acentuados da estrutura do mosaico da paisagem. Foram 50 dias de combate, em locais simultâneos, o que retardou o avanço do fogo, permitindo a fuga de animais para áreas ainda preservadas ou já atingidas.

AÇÃO EMERGENCIAL

Em setembro de 2020 teve início imediato o diagnóstico do impacto do fogo na fauna da Reserva pelo Sesc Pantanal e o GEVS, formado por pesquisadores do Museu Nacional Rio de Janeiro, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

Eles levantaram dados detalhados acerca do número de carcaças de animais encontrados em amostras de toda a área da Reserva. Paralelamente, com o apoio da Ampara Silvestre, SOS Pantanal, o grupo É o bicho e parte dos pesquisadores, foram iniciadas também ações emergências de apoio aos animais sobreviventes com a distribuição de alimentos e água em 165 pontos, que tinham cochos instalados e monitorados com armadilhas fotográficas.

Por meio das armadilhas, cerca de 300 registros da fauna eram baixados semanalmente. Por estarem debilitados, muitos andaram quilômetros em busca de água e alimentos e se concentravam próximos aos pontos instalados pelo Sesc Pantanal.

Essa grande concentração de animais não foi mais vista no último mês. Isso demonstra a importância do suporte emergencial, que foi essencial para que os animais sobreviventes passassem pela fase aguda, na direção de retomarem a vida normal gradativamente, entre eles a anta, também conhecida como a jardineira das florestas. A queda do número de registros pelas câmeras, que passou a ser em média de 30 por semana, a redução do consumo dos alimentos oferecidos, a identificação do restabelecimento das fontes naturais de alimentação e água, vinda da chuva, contribuíram para o fim da ação emergencial, com a retirada dos cochos e suspensão da distribuição de alimentos.

O objetivo com a ação emergencial, que teve mais de 30 toneladas de alimentos distribuídos, foi alcançado, explica a bióloga. “Em setembro, quando chegamos, logo após o fogo, vimos o comportamento dos bichos ao encontrarem água. Eles não tinham medo da nossa presença e até se arriscavam a beber água no mesmo local que seus predadores. Prolongamos essa ação para não ter uma interrupção abrupta, já que a intervenção foi imensa, embora necessária. Toda intervenção numa rede ecológica tem que ser feita de maneira cautelosa e, principalmente, monitorada. Hoje, não avistamos mais nenhum animal debilitado como ocorreu em 2020 e esse ‘desmame’ foi possível por conta do início das chuvas”, destaca.

TRANSIÇÃO DO PANTANAL

O crescimento da vegetação e o surgimento das frutas, porém, não significa que a área recuperou o estado anterior ao fogo, afirma a pesquisadora. “Este é um momento de transição e estruturação da paisagem. Vemos água em todos os lugares e ela é um recurso essencial para todas as espécies e para a produção de frutos. Ou seja, mantendo a alimentação dos animais herbívoros, mantém-se a alimentação dos animais carnívoros e tudo vai se ajeitando dentro de uma relativa normalidade. Porém, não falamos ainda em recuperação, mas em transformação e reestruturação da área. Ainda é preciso monitorar como as coisas serão em longo prazo, porque o fato de ver vida animal e vegetal não significa que isso se manterá no futuro”, alerta Gabriela.

Exemplo disso é a possibilidade de muitas fêmeas de uma mesma espécie terem perecido no incêndio, o que prejudica a recuperação da população na área, ou então na grande mortalidade dos animais pequenos que também são importantes nos ciclos da natureza. “As coisas não voltam como antes, mas continuam acontecendo, só que de maneira diferente. Por isso é tão importante o combate, pois não dá para ter um fogo dessa dimensão todo ano. Uma hora a natureza não vai aguentar tanto impacto, o que resulta em extinção de espécies em determinados lugares”, diz.

A vantagem na RPPN, completa Gabriela, é o baixo impacto causado pelas pessoas. “Graças a essas características que a normalidade acontece mais rápido, os bichos voltam a se recuperar e a vegetação começa a aparecer novamente, porque tem essa conservação. Se houvesse uma pressão acontecendo seria outro cenário e não teria tanta frutificação e bichos por aí”, avalia.

E é isso que as pesquisas realizadas na RPPN Sesc Pantanal, voltadas para a fauna e flora, devem colaborar, especialmente para a tomada de decisões em todo o Pantanal, afirma a superintendente do polo socioambiental Sesc Pantanal, Christiane Caetano.

“Com as ações de combate ao fogo pela brigada do Sesc Pantanal e o investimento em pesquisas, poderemos dar uma resposta para a sociedade sobre a real proporção do que foi afetado no bioma. O histórico das pesquisas, realizadas há 24 anos na RPPN, colaboram para este momento de transição que vive o Pantanal, pois temos dados do antes, estamos levantando o do agora, e podemos projetar os impactos a longo prazo”, declara a superintendente.

  1. Brasil

As opiniões e ideias expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva do autor e não refletem necessariamente a posição do Mato Grosso Total.

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