Cursos de medicina têm qualidade, mas ainda faltam vagas

A formação de médicos no Brasil enfrenta o contraste de ter 8 em cada 10 Escolas Médicas avaliadas pelo Ministério da Educação com Conceito de Curso 4 ou 5, o que indica alta qualidade, ao passo em que a carência por novos profissionais é crescente, segundo instituições ligadas ao setor.

Na esfera pública, o MEC chegou a publicar a Portaria nº 343/2022, no último mês de maio, que permitia a expansão de vagas em todo o país. Entretanto, a revogação veio dias depois, em resposta à mobilização do Conselho Federal de Medicina (CFM) e da Frente Parlamentar de Medicina (FPMed). Por meio de outra portaria, a de nº 328/2018, o lançamento de editais para novos cursos de Medicina segue proibido até 2023.

No âmbito privado, grupos educacionais têm brigado na justiça pelo direito de ofertar novos cursos e vagas. São, pelo menos, 180 ações judiciais, segundo levantamento da Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup). No bojo das discussões, estão o discurso da necessária ampliação da oferta e a defesa da garantia da qualidade na formação de novos profissionais.

Um levantamento do Portal Melhores Escolas Médicas, com base no Conceito de Curso atribuído pelo Instituto de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira (Inep), mostra que tanto as escolas públicas quanto as privadas têm garantido qualidade na formação de médicos. De acordo com a avaliação do Inep, 78,95% das 57 escolas médicas públicas avaliadas detém Conceito de Curso (CC) 4 ou 5. Entre as instituições particulares, o percentual é de 91,46%. Ainda em termos percentuais, o setor privado registra mais cursos com conceito máximo de qualidade (26,83%).

IES públicas e privadas (Conceito de Curso)

Conceito Públicas % Privadas  %
3 12 21,05% 14 8,54%
4 40 70,18% 106 64,63%
5 5 8,77% 44 26,83%
  57 100% 164 100%

Fonte: Inep/MEC

Os conceitos de curso são obtidos a partir de avaliações in loco por comissões de especialistas do Inep, seja em processos de autorização ou de renovação de atos autorizativos (reconhecimento ou renovação de reconhecimento). Somente 26 cursos de medicina brasileiros têm conceito 3, avaliado como satisfatório. Considerando a carência da população por profissionais, especialistas questionam os entraves para expansão da formação médica.

Para o ministro do Superior Tribunal Militar e conselheiro do Conselho Nacional de Educação, José Barroso Filho, a ampliação do número de vagas e da autorização de novos cursos de medicina é urgente e necessária. “As faculdades de Medicina de âmbito público cumprem bem o seu papel, mas o sistema público de formação não consegue prover as necessidades do sistema de saúde”, afirma.

Segundo Barroso, o setor privado também não conseguiria suprir essa demanda de forma adequada atualmente. “Há instituições oferecendo quantidade limitada de vagas, que cobram mensalidades altíssimas e, sobretudo, não atendem às necessidades de formação e alocação de profissionais de saúde em um país tão complexo e desigual como o Brasil”, justifica. O estudo Radiografia das Escolas Médicas Brasileiras, publicado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em 2021, aponta que 92% das instituições com vagas de Medicina não atendem a todos os parâmetros ideais para o funcionamento.

O CFM classifica o sistema formador de médicos no país, frágil. “A abertura de mais vagas nos cursos já existentes acirra ainda mais os problemas já percebidos na formação dos futuros médicos, sob pena de ampliar efeitos deletérios para a população, para os estudantes de medicina e para a credibilidade da profissão”, avalia o Conselho, na nota pública em que condena a ampliação de vagas em cursos de medicina. Para a entidade, os critérios mínimos de qualidade são a oferta de 5 leitos públicos de internação hospitalar para cada aluno no município-sede do curso; acompanhamento da equipe de Estratégia Saúde da Família por no máximo 3 alunos; e presença de hospital com mais de cem leitos exclusivos. Contudo, esses parâmetros não estão descritos nas diretrizes curriculares do curso de medicina.

O artigo 209 da Constituição Federal diz que o ensino é livre à iniciativa privada, desde que atendidas as seguintes condições: cumprimento das normas gerais da educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. “Logo, o caminho adotado hoje é inconstitucional na medida em que impõe um monopólio para grandes grupos educacionais”, analisa o advogado Eduardo Malheiros, especialista em direito educacional. Para ele, uma oferta maior permite ao aluno escolher o curso que tem os melhores conceitos junto ao MEC. “Ou seja, a concorrência é que gera a condição de melhora da qualidade dos cursos, equiparação dos preços e um tratamento melhor ao estudante”, diz.

Enquanto as entidades médicas apontam o risco de precarização das condições da formação e as instituições ligadas ao ensino superior reclamam do engessamento do processo para expansão, a população brasileira sofre com a falta de médicos especialistas, sobretudo, quem vive distante dos grandes centros urbanos. “A Organização Panamericana de Saúde (OPAS/OMS) não define número desejável de médicos por habitante nem recomenda um único parâmetro ou meta nacional. O Brasil, com magnitude continental, apresentava em 2020 o número de 2,38 profissionais por grupo de mil habitantes, ao passo que em países sem a extensão e complexidade territorial do Brasil, como Chile e Argentina, essa proporção é de 2,5 e 3,2 médicos para cada mil habitantes, respectivamente”, compara José Barroso Filho.

Além da Atenção Primária, parte considerável do déficit de médicos no Brasil se concentra entre as especialidades. Uma projeção do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (CONASEMS) aponta uma carência de ao menos 20 mil médicos pediatras no país. Para áreas como ginecologia, obstetrícia e cardiologia, o panorama não difere. “É necessário propiciar a ampliação dos processos formativos qualificados no sentido de melhorar o acesso dos municípios aos profissionais graduados e também aos especializados. Temos uma população que está envelhecendo e isso está trazendo um grande número de doenças crônicas que demandam não só Atenção Primária, mas especialistas para poder, de fato, promover um envelhecimento de qualidade aos brasileiros e brasileiras”, pondera o presidente do CONASEMS, William Freire.

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